domingo, 29 de junho de 2014

Copa do Mundo, Nações e Corporações




A Copa do Mundo de Futebol Profissional da FIFA está aí para mostrar o poder da propaganda. O chamado "esporte bretão" foi apropriado pela FIFA, assim como suas variantes (futebol de salão e futebol de areia). O domínio da instituição sediada na Suíça, mas com tentáculos em todos os continentes, menos o Antártico, mistura esporte, negócios e política. Dos três segmentos, o de maior destaque é o de negócios, seguido pelo político e, por fim, o que seria o fim da própria Federação Internacional de Futebol Associado: o futebol.

Isso fica tão claro, que antes de se realizarem os eventos da FIFA, são negociados contratos de publicidade e transmissão. Após essa fase, já com o dinheiro no bolso, chega o momento de comprar apoio político para obter isenções fiscais e destinar muitos contratos aos parceiros da FIFA. A representação indevida de nações pelas confederações, federações e associações desportivas tenta aproximar o jogo de símbolos como bandeiras e hinos nacionais, enfim, exaltar patriotismos e rivalidades entre os países.


Hierarquia e tratamento diferenciado

Como segue a cartilha do capitalismo, o negócio futebolístico aprofunda diferenças de status, seja por meio da remuneração desigual entre atletas de países, de clubes e, até, de posições diferentes. Todos sabemos que os jogadores que atuam no ataque costumam receber mais dinheiro que os jogadores de outras posições, repetindo no esporte uma hierarquia que não está presente no jogo praticado desde a infância por milhões de pessoas. O atacante recebe mais que o meio-campista, que recebe mais que o defensor, que recebe mais que o goleiro. Essa fórmula, algumas vezes, pode apresentar uma ou outra exceção. Porém, no quadro geral, é isso aí que se definiu no desenvolvimento negocial do futebol.

Uma surpresa na replicação do capitalismo dentro das quatro linhas é o fato de gestores das equipes receberem salários inferiores aos das estrelas que estão sob sua condução. Após um resultado negativo, corta-se a cabeça de um treinador, mas não se mexe no quadro de estrelas futebolísticas. O que, no meio corporativo, costuma ser diferente: diretores e gerentes mantêm suas posições, enquanto os segmentos inferiores da hierarquia corporativa apresentam demissões.


Dependência financeira

Por se tratar de um negócio, o futebol também apresenta cada vez mais dependência do capital financeiro, seja pelas negociações de atletas, seja pelos contratos de publicidade e propaganda em seus uniformes e equipamentos. Uma dependência que vem sendo negligenciada pela replicação de modelos de gestão semi-profissionais ou totalmente amadores. Muitos clubes apresentam dívidas milionárias perante o Estado e suas respectivas federações, e muitas federações apresentam o mesmo em relação às confederações e associações "nacionais" de futebol.

No Brasil, ainda existe uma relação de dependência dos times perante a maior empresa de comunicação do país, a Rede Globo. Mas tal dependência é basicamente financeira, em função de "adiantamentos" de receitas de publicidade auferidas pela Globo de contratos atuais e futuros de transmissão dos campeonatos relacionados ao esporte.

Mesmo sendo um setor deficitário para quem administra o dia-a-dia do futebol, o esporte ainda gera lucros exorbitantes para os grupos que exploram o esporte fora de campo. Não se cogita a redução de salários, assim como não se cogita a proibição de contratos publicitários entre os atletas. Isso dá mais liberdade ao capital para movimentar-se da periferia para os grandes centros.


Nacionalismo e rivalidades

Então, em ano de Copa do Mundo, exige-se do trabalhador comum um patriotismo que nada tem a ver com o esporte. Este trabalhador está afastado do mundo de salários altíssimos e badalação comercial, assim como o jogador da periferia - muitas vezes amador e/ou informal - que ainda não foi "descoberto" pelo esquema comercial de atletas.

Ao se recusar a torcer pela seleção que "representa" o seu país numa competição, o trabalhador está exercendo o seu direito de escolha, um direito político de curtir o futebol como o fazia em sua infância, espelhando-se em ídolos que honravam seus clubes e que muitas vezes dispensavam transferências milionárias para jogar no "clube do coração". A recusa em cantar o hino nacional deve ser respeitada, pois estão em campo atletas com passaportes europeus, o que demonstra que o negócio está acima da prática do esporte.

Torça, pratique futebol, mas não esqueça de tratá-lo com a devida deferência enquanto não for corrompido por interesses extra-campo. Torça pelo futebol bem jogado, independentemente das cores dos atletas e dos uniformes que eles ostentam. Não devemos nos render a práticas espúrias e corrompidas em nossas vidas, por que exaltá-las, então, no esporte?


José Cristian Pimenta
Escritor e Funcionário do Banco do Brasil

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